CNa#008: CdN-E04–Os três amigos|Rodrigo Watzl - a podcast by RPG Next

from 2017-09-24T20:07:42

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RPG Next apresenta... Contos Narrados #008 - Contos da Noite 04 - Os três amigos
    ATENÇÃO: Esse podcast é recomendado para maiores de 14 anos.

  
Os três amigos 

Eram, os três, homens de quarenta anos. Um deles engravatado, os outros dois um pouco menos formais. Amigos de infância que não se falavam havia muitos anos e que se encontravam na contingência de ter de afetar uma familiaridade há muito perdida e de fingir uma camaradagem que o tempo havia se encarregado de transformar em mera lembrança, como a exposta em um retrato envelhecido e desbotado.Nenhum deles tinha família. Os pais de todos eles haviam morrido e nenhum fora casado. E, em uma tentativa de reaproximação, se reuniram, naquela noite chuvosa, em um quarto de hotel para jogar cartas, beber e contar histórias. Como nos velhos tempos, ou, pelo menos, um arremedo disso.

− Sua vez, Zé.− Eu sei. Não me apresse.

Ele detestava ser chamado assim. O outro, por puro espírito de galhofa, insistia no apelido do colégio.− É para hoje, cara. – Alberto insistiu.

José, concentrado nas cartas, olhou por cima dos óculos. A armação de prata estava meio caída e em conjunto com as sobrancelhas arqueadas, conferiam uma imagem de irritação mal dissimulada.Alberto sorriu.

− Sorte é uma merda. – sentenciou Alberto.− Não seria a falta dela? – revidou José.

− Ei, vocês dois, parem de implicar um com o outro. Parecem os mesmos moleques do colégio.Os dois olharam em direção ao terceiro. Era o Paulo, o emgravatado. O roteirista.

− O Paulo está certo. Vamos parar com isso. Eu estou fora mesmo, não vou bancar a aposta, a mão está mesmo muito ruim. – disse José.− É assim que se fala. Em homenagem ao bom senso, por que não bebemos mais um pouco e não relembramos velhas histórias? – propôs Alberto.

− As mesmas de sempre? Bobagem. Perda de tempo. Todos sabemos essas histórias de cor e salteado. Nós nos reunimos aqui para conversar sobre o que não sabemos. Faz anos desde a última vez que nos vimos. Para que relembrar essas bobagens do colégio?− A voz do bom senso, Zé. Aliás, eu não tenho a menor ideia do que vocês fazem hoje em dia. Eu continuo tentando vender meus roteiros. – disse Paulo.

− Sem sucesso.Foi o comentário de Alberto. Fez-se silêncio entre eles.

− Ei, senhores, vamos beber... Esse aqui é um uísque de primeira, escocês legítimo, envelhecido por trinta anos. – José tentou aliviar o clima.− Verdade, Zé. Acho que você deveria contar uma das suas histórias para nós, Paulo. O que acha?

Era uma aparente tentativa de desfazer um mal-feito. Paulo não respondeu imediatamente e bebeu um gole do uísque.− Sim, eu posso contar. Um artista precisa de vivências. Nada dessa babaquice pós-moderna de que todo mundo está de saco cheio. Não. Nós precisamos, muitas vezes, descer muito baixo, chafurdar na merda para encontrar material para uma boa história.

− Tem alguma coisa em mente?− Tenho, Zé... Tenho. Mas, antes, por que vocês não me falam um pouco desses últimos dez anos? Eu, talvez, pudesse aproveitar alguma coisa.

− Da minha parte, não tenho muito o que contar. Da faculdade, fui direto para uma indústria de alimentos e, hoje, sou engenheiro chefe. Supervisiono as fórmulas para que as guloseimas se tornem vícios quase irresistíveis. Se for para resumir, meu trabalho é vender veneno com gosto de hambúrguer ou de açúcar para criancinhas.− Esse é o Alberto... Mas, ele tem razão, Paulo. Eu, por minha vez, trabalho em plano de saúde e sou o encarregado de avaliar o risco de processos na justiça. Quando o risco é baixo, aquela vovozinha que precisa do atendimento vai continuar precisando. Ou pode, claro, entrar na fila do SUS.

− O que é a mesma coisa, Zé.− Verdade, Alberto.

− Temos, todos, sangue nas mãos. – E Paulo brincou com o uísque no copo.Alguns instantes tensos se passaram sem que ninguém dissesse nada. A lâmpada meio gasta do quarto de hotel compunha um quadro em que aquele...

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