A Menina Avoada - a podcast by Um Poema Por Dia

from 2020-05-28T01:00

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A Menina Avoada por Ludmila Guimarães.




Foi na fazenda de meu pai antigamente.

Eu teria dois anos; meu irmão, nove.

Meu irmão pregava no caixote duas rodas de lata de goiabada.

A gente ia viajar.

As rodas ficavam cambaias debaixo do caixote:

Uma olhava para a outra.

Na hora de caminhar as rodas se abriam para o lado de fora.

De forma que o carro se arrastava no chão.

Eu ia pousada dentro do caixote com as perninhas encolhidas.

Imitava estar viajando.

Meu irmão puxava o caixote por uma corda de embira.

Mas o carro era diz-que puxado por dois bois.

Eu comandava os bois:

— Puxa, Maravilha!

— Avança, Redomão!

Meu irmão falava que eu tomasse cuidado porque Redomão era coiceiro.

As cigarras derretiam a tarde com seus cantos.

Meu irmão desejava alcançar logo a cidade —

Porque ele tinha uma namorada lá.

A namorada do meu irmão dava febre no corpo dele.

Isso ele contava.

No caminho, antes, a gente precisava de atravessar um rio inventado.

Na travessia o carro afundou e os bois morreram afogados.

Eu não morri porque o rio era inventado.

Sempre a gente só chegava no fim do quintal.

E meu irmão nunca via a namorada dele —

Que diz-que dava febre em seu corpo.




Autor: Manoel de Barros.

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